Goiânia - O maranhense Márcio Nunes, 37, que
teve 75% do corpo queimado após o ônibus em que estava ser incendiado
por criminosos em onda de violência em São Luís (MA), é capa da edição
de sábado do maior jornal do país, a “Folha de S.Paulo”.
Márcio é personagem da sessão “Minha História”, do caderno Cotidiano
do jornal paulista. Ele contou sua história á repórter Carla Guimarães.
O jornal traz ainda reportagem sobre a fuga de dez pessoas da
penitenciária de Pedrinhas e da crise sem fim que se instalou no sistema
de segurança pública do Maranhão.
Leia a seguir o depoimento de MÁRCIO RONY DA CRUZ NUNES, 37
RESUMO Há três meses, o ônibus onde estava o
descarregador de mercadorias Márcio Rony da Cruz Nunes, 37, foi alvo de
um atentado na região metropolitana de São Luís. Os bandidos incendiaram
o veículo, em ação ordenada de facções criminosas presos em Pedrinhas.
Mesmo com 75% do corpo queimado, esse pai de cinco filhos retirou do
veículo três pessoas de uma família, entre elas Ana Clara Sousa, 6, que
morreu. Transferido para um hospital de Goiânia, já passou por três
cirurgias. A pele que nasce no rosto é protegida com máscara. Para
andar, usa um aparelho ortopédico para sustentar os pés lesionados.
“Estava indo do serviço para o bairro Mata [em São José de Ribamar, na região metropolitana de São Luís, Maranhão], onde morava.
Ia todo mundo tranquilo. Quando um rapaz deu sinal para o ônibus,
parecia um passageiro normal. Mas ele entrou e foi puxando a arma da
cintura, pediu para o motorista desligar [o motor] e abrir as portas
para descer só mulher e criança.
Houve um tumulto, porque todos queriam descer ao mesmo tempo. Ele já estava
jogando gasolina e tacando fogo. Os outros [bandidos], que estavam
escondidos, entraram em ação na sequência. Eram mais de dez.
Havia uns 30 e poucos passageiros. O motorista foi o primeiro que
saiu do ônibus. Tinha gente pulando pela janela. Era homem e mulher, um
passando na frente do outro para correr para as portas.
Imaginei que fosse um assalto. Consegui descer porque ainda estava na
parte da frente, justamente onde eles estavam jogando a gasolina.
Quando desci, um deles jogou um cigarro nas minhas costas. Aí
incendiou logo. Saí correndo pedindo socorro. Me joguei numa poça com
água e apaguei o fogo.
Foi nessa hora que escutei a moça gritando [dentro do ônibus],
procurando as filhas dela. Então, não pensei duas vezes, não tive medo e
voltei de novo [para dentro do veículo em chamas].
A catraca travou, e as duas filhas ficaram no corredor do ônibus.
Cheguei, empurrei a catraca, que destravou. A mãe passou para o outro
lado e conseguiu pegar uma delas. Eu peguei a outra [Ana Clara, no
colo]. As crianças estavam chorando, gritando. Já tinha pegado fogo
nelas. Então saímos.
SOLIDARIEDADE
Parou um carro para prestar socorro. Eles queriam que eu fosse
também. Eu disse: “Não, levem elas [meninas] que estão mais machucadas”.
O próximo carro que parou me levou. Achei que estava queimado, mas não
imaginei que estava tão machucado.
Pessoas comuns paravam lá para olhar o que tinha acontecido, outras
prestavam socorro. A ambulância chegou depois. Eu já tinha sido
socorrido por um casal numa [caminhonete] cabine dupla. Na hora, sentia
só o ardor. Olhava a parte de trás e via os pedaços do couro [pele]
pendurados.
No hospital, os médicos perguntaram se eu lembrava o telefone de
algum parente. Lembrei o número de uma de minhas irmãs. Foi só falar e
apagar. Não lembro mais nada. Quando acordei, já estava aqui [em
Goiânia].
TRATAMENTO
Eu acreditava demais, até hoje [na recuperação]. Em primeiro lugar me
apeguei a Deus, porque, quando estava sentindo dor, eu orava, pedia
[ajuda] para Ele, aí aliviava.
Fiquei sabendo que estava em Goiânia através das enfermeiras, da minha irmã. Nunca tinha vindo aqui antes.
Não me acho um herói, não. Acho que foi um ato de bravura. Consegui salvar as três pessoas e a mim também.
Foi bom ter ajudado, e acredito que daqui para frente outras pessoas também vão querer fazer a mesma ação quando for preciso.
Só soube [da morte da Ana Clara] através da imprensa [na semana
passada]. Fiquei um pouco chocado, porque acreditava que estariam todas
as três vivas.
Sinto falta da família. Espero voltar logo [para o Maranhão], encontrar todos, poder abraçá-los.
Minha preocupação maior é terminar o tratamento corretamente [após a
cicatrização, usará uma malha compressiva] e depois dar um jeito de
voltar ao serviço.
BNC Maranhão