Diário Liberdade - Por Carolina Peters
Deu no O Estado do Maranhão, publicação ligada à família Sarney (foto).
Colunista do suplemento Revista PH publicou, em 29 de junho, a seguinte nota de canto de página:
"GAROTAS
DE PROGRAMA – Um grupo de mulheres maranhenses, ainda cheirando a
leite, encontra-se em Fortaleza desde o começo da Copa do Mundo. As
jovens só voltarão a São Luís após o encerramento dos jogos e o retorno
dos turistas aos lugares de origem. Notícias que chegam de Fortaleza
dizem que elas estão super felizes com os dólares e euros amealhados em
função da Copa."
Aos que
estranham o léxico, "cheirando a leite" é isso mesmo que lembra:
desmamadas. Em outras palavras, meninas. O Ceará é tragicamente um
reconhecido destino de turismo sexual, no qual a exploração de menores
tem notoriedade. Com o fluxo de turistas homens, brasileiros e
estrangeiros, exacerbado pelo mundial de futebol; o fluxo de meninas e
mulheres para suprir a demanda sexual (ou de poder sobre os corpos de
outras?) destes também cresce. (E pensar que há quem defenda que o
auxílio financeiro de terceiros para a locomoção de pessoas para o
exercício da prostituição não tem nadica de nada a ver com o tráfico de
pessoas e a exploração sexual, mas cada um que durma com sua fantasia
acerca da liberdade que supostamente existe em trocar seu corpo por
dinheiro para subsistir. Esse debate rende artigos a parte).
Um dos
grandes livros da literatura portuguesa contemporânea, as Novas Cartas
Portuguesas (1972), faz o resgate da quase mitológica soror Mariana
Alcoforado, autora/protagonista das Cartas Portuguesas (séc. XVII), para
discutir, no contexto do salazarismo, o papel da opressão às mulheres –
em particular o cerceamento de sua sexualidade – na manutenção do
regime autoritário e, no limite, da ordem capitalista que o viabilizou.
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa traçam
com primor estético essa relação capitalismo-patriarcado, já estudada e
teorizada por autoras de não-ficção, e a inevitabilidade da esquerda
enfrentá-los de conjunto, caso realmente desejemos por fim ao capital.
Onde
predomina um sistema de concentração do poder político e profunda
desigualdade social, as mulheres são particularmente afetadas. Daí que
um veiculo de comunicação a serviço da oligarquia local trate com
tamanha naturalidade a exploração sexual de crianças e adolescentes.
Dentro do coronelismo, o poder político se mantém com amparo do controle
ideológico e econômico. Opera através da concentração da terra, da
mídia, e do controle sobre o que está no âmbito do privado, das relações
sociais que se sobrepõem às relações de trabalho, e controle também
sobre a sexualidade das mulheres.
Este talvez
seja um caso mais caricato, mas não foge ao que se expressa nos grandes
centros. As meninas maranhenses a quem não se permite sonhar mais do que
em ganhar dólares e, quem sabe, tirar a sorte grande e desposar um
gringo, estão mais próximas das nossas meninas formadas pela Disney do
que gostaria a classe média, embora distanciadas pelo abismo social que
faz de umas princesas, outras putas. Em nossas metrópoles tão modernas,
também a política é regida pelos interesses dos grandes grupos
econômicos, a ver pela extensa lista de financiadores de campanhas
recompensados com largas fatias do orçamento público. A grande mídia a
serviço de grupos políticos e econômicos, que criminaliza os movimentos
sociais e barra as opiniões divergentes é a mesma que representa as
mulheres como objetos do desejo alheio, sem autonomia, e sem diversidade
de cor, de credo, ou tipo físico.
A política
não se faz somente no espaço público. Ela adentra nosso cotidiano e
delimita em maior ou menor medida nossas possibilidades de ser para além
dos rincões onde a literatura sociológica tipificou o Homem Cordial.
Modificar profundamente o sistema político brasileiro, sem mexer na
mídia monopolizada e estabelecer seu controle pela sociedade, é uma
ilusão.
BNC Cotidiano