30 de outubro de 2014

Senado iniciará legislatura sem Sarney

Após 60 anos de vida política, Sarney se aposenta magoado com a derrota nas eleições no Maranhão e no Amapá Nelson Antoine/Fotoarena/AE

Carolina Martins, do R7, em Brasília
Pela primeira vez em 25 anos de democracia, o Congresso Nacional vai iniciar uma legislatura sem a presença do senador José Sarney (PMDB-AP). Aos 84 anos, Sarney encerrou sua carreira política depois de concorrer e vencer todas as eleições com voto direto que foram realizadas após a redemocratização do País.
Mas, mesmo sem disputar diretamente as eleições de 2014, o ex-presidente da República saiu derrotado politicamente, sem conseguir eleger o sucessor de sua linhagem política no Maranhão – justamente o berço político da família Sarney.
Após cerca de 50 anos de domínio do clã Sarney no Estado, o candidato de oposição, Flávio Dino (PCdoB), foi eleito governador em primeiro turno. Com 1,8 milhão dos votos, ele desbancou Lobão Filho – que tinha o apoio da atual governadora, Roseana Sarney, e de todos os aliados políticos da família.
O motivo apresentado para justificar a aposentadoria de Sarney é a saúde debilitada da mulher dele, Marly. Mas, nos bastidores, a informação é de que Sarney encerrou a carreira política para não sofrer a primeira derrota nas urnas.
O porta-voz de Sarney na época em que ele era presidente, Fernando César Mesquita, diz que o senador está magoado com a derrota política de seus sucessores e com a condução da campanha no Maranhão e no Amapá – Estado que ele representa no Senado. Segundo Mesquita, houve traições e por isso Sarney deve estar ressentido.
— Eu era a favor de que ele não se candidatasse porque seria uma luta de muito baixo nível no Amapá, seria muito difícil para ele enfrentar tudo isso na idade em que está. Ele ficou mexido com a derrota [no Maranhão], está muito magoado.
Relevância no Congresso
Para o cientista político da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Ricardo Ismael, ainda que o motivo da aposentadoria seja fugir de uma derrota eleitoral, isso não mancha a trajetória de Sarney. De acordo com o professor, o senador tem um currículo extenso e representativo na política brasileira.
— Se formos olhar o currículo do Sarney, foi marcado por momentos que dispensam comentários. Ele foi extremamente vitorioso. Está encerrado um capítulo, ele poupou-se de ter uma derrota, mas isso não é demérito nenhum.
O especialista avalia ainda que, até pela idade, Sarney já estava naturalmente sendo substituído nos papéis de liderança dentro do PMDB. Segundo o cientista político, a ausência dele terá pouco impacto no momento atual do Congresso porque o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), deve ocupar a função que era de Sarney.
— Foi Sarney quem avalizou a parceria entre o Planalto e o Senado nos governos Lula e Dilma. Eu acho que, em um curto prazo, o Renan é um substituto natural nessa relação entre PMDB no Senado e o governo do PT, caso Dilma seja reeleita.
Para o amigo e ex-porta-voz, Sarney será sempre respeitado dentro da política, mas acredita que agora ele vai abandonar completamente os palanques eleitorais.
— Ele será sempre ouvido, mas vai se desvincular da política. A dona Marly tem problema de coluna, já fez cirurgias e não está bem. Ele vai se dedicar a ela, aos filhos e aos netos, ele é muito família.
Mesquita afirma que Sarney era consultado no Senado até para indicar remédios aos colegas. Leitor voraz e interessado por medicina, o senador adora pesquisar bulas de medicamentos e conhece as fórmulas e seus efeitos colaterais. Qualquer mal-estar era logo solucionado por uma indicação de Sarney.
O interesse pelos assuntos médicos também reflete na própria saúde do senador. O ex-porta-voz conta que a mesa pessoal de Sarney é sempre cheia de vidros de suplementos e vitaminas.
— Agora isso é moda, mas ele toma há muitos anos. Por isso a saúde dele é ótima e ele continua totalmente lúcido aos 84 anos de idade.
Vida política
Sarney foi o presidente responsável pela transição da ditadura para a democracia Estadão Conteúdo
Sarney tem uma trajetória de 60 anos de cargos eletivos e, muitas vezes, sua biografia se confunde com a história política do País.
Ainda estudante de direito, no Maranhão, ele tornou-se dirigente de movimentos estudantis. Em 1954, se filiou ao antigo PSD (Partido Social Democrático) e foi eleito suplente de deputado federal. Se tornou governador do Maranhão em 1965, aos 35 anos de idade.
No fim do mandato como governador renunciou para concorrer a uma cadeira no Senado, representando o Maranhão. Venceu as eleições de 1970 e foi reeleito em 1978. Em 1984, ficou nacionalmente conhecido ao formar a Aliança Democrática com o PMDB para compor a chapa que disputaria a Presidência da República, ao lado de Tancredo Neves, avô de Aécio Neves.
Como o presidente escolhido morreu antes de tomar posse, José Sarney assumiu como vice e se tornou o primeiro presidente da República civil depois de 21 anos de ditadura militar. Ele foi o responsável por fazer a transição do regime ditatorial para a democracia. Em 1988, participou, como presidente do País, da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil.
O amigo Fernando Mesquita afirma que, mesmo com toda essa trajetória, Sarney está decepcionado com a vida pública. Mesquita afirma que Sarney foi vítima de várias acusações de corrupção mentirosas e que nunca viu o senador cometer nenhum ato condenável.
— Ele foi vítima de uma campanha de linchamento e eu nunca vi nenhum ato de desonestidade dele. Ele é uma pessoa muito especial, uma das pessoas mais cultas que eu conheço, mas paga até hoje pelo fato de ter apoiado o regime militar.
Crises e escândalos políticos
Ainda na presidência da República, em 1987, Sarney enfrentou o primeiro grande escândalo envolvendo seu nome. O foco era a ferrovia Norte-Sul, que custaria cerca de US$ 2,5 bilhões.
Mas surgiram denúncias de que a licitação do empreendimento não passava de um conluio entre as empresas integrantes de um esquema de corrupção. A apuração mostrou que houve fraude, mas nem mesmo os responsáveis foram identificados e ninguém foi punido.
Em fevereiro de 1988, Sarney enfrentou a CPI da Corrupção no Senado. Sarney era acusado por nove crimes e ainda havia o pedido de impeachment contra ele, mas escapou das punições.
Depois que deixou a Presidência da República, Sarney também foi alvo de denúncias enquanto ocupava uma cadeira no Senado. Em 2009, quando era presidente da Casa pela terceira vez, veio à tona a polêmica dos atos secretos da Casa, com nomeações de parentes e amigos dos senadores — incluindo membros da família Sarney. Todas as denúncias contra o senador acabaram arquivadas no Conselho de Ética do Senado.
Vida Literária
Com a aposentadoria da vida política, Sarney pretende se dedicar à literatura. Poeta e ensaísta, o senador tomou posse na ABL (Academia Brasileira de Letras) em 1980. A ideia agora é se dedicar à produção de sua autobiografia, com a história de todos esses anos no poder. O livro tem até um título provisório: Boa Noite, Presidente.
Mas, de acordo com informações de amigos do senador, ele se dedica agora a escrever um livro sobre sua filha, Roseana Sarney.
BNC Política

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