A realização de grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo ou os Jogos Olímpicos é um desejo de muitos países, mas esse sonho precisa ser acompanhado de uma grande estratégia que envolva não só o setor público, mas também parcerias em diversas áreas para que o sonho não se transforme rapidamente em um pesadelo com um alto custo que se arrastará por muitos anos, comprometendo as contas públicas e reduzindo a capacidade de investimentos futuros em setores essenciais.
Entre os exemplos bem sucedidos destacam-se os Estados Unidos, com os Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, e em Atlanta 1996, além da Espanha que sediou o evento em 1992. Ambos os países conseguiram ganhos econômicos como saldo da realização desse evento esportivo.
No caso da Copa do Mundo, a Alemanha em 2006, e novamente os Estados Unidos em 1994, são os melhores exemplos de sucesso.
Os Jogos Olímpicos de Los Angeles, nos EUA, são considerados os mais bem sucedidos de toda a história da competição, com um lucro de aproximadamente US$ 250 milhões. Amplas parcerias com a iniciativa privada, e um bom retorno com a comercialização dos direitos de transmissão pela TV, venda de ingressos e produtos relacionados ao evento estão entre os vários fatores apontados pelos especialistas.
Em Atlanta, os lucros foram mais modestos, de cerca de US$ 10 milhões, mas ainda assim um sucesso do ponto de vista econômico. Mas a forte dependência da cidade-sede do patrocínio de grandes empresas como a Coca-Cola, cuja matriz fica em Atlanta, fez na época com que muitos críticos considerassem o evento excessivamente comercializado. Segundo esses críticos, a estratégia mais comercial poderia afetar a imagem dos jogos e dos ideais olímpicos.
Na Espanha em 1992, os jogos de Barcelona totalizaram um lucro de aproximadamente US$ 5 milhões segundo estimativas feitas após o evento. Uma cifra pequena, quando comparada aos bilhões investidos durante anos para viabilizar a estrutura necessária para receber os jogos.
Mas o ganho para a população de Barcelona, com a recuperação de áreas degradadas da cidade, como a região portuária, melhoria do sistema de transportes e ganho de qualidade de vida, entram na categoria do chamado ganho intangível, aquele que é visto e sentido pelas pessoas, mas que é difícil de ser mensurado em retorno financeiro direto para o caixa da organização.
Além disso, o incremento com o turismo na cidade e nas regiões próximas continua movimentado até hoje a economia local, mesmo com a forte crise financeira que afeta a Espanha.
Grécia
Já no caso da Grécia, berço dos Jogos Olímpicos, a oportunidade de sediar pela segunda vez o evento na era moderna trouxe prestígio e fez com o que o país revivesse momentos de glória. Mas os altos custos da aventura olímpica e os critérios pouco rígidos com a fiscalização das verbas destinadas à preparação da capital Atenas para sediar o evento em 2004 já sinalizavam o que estava por vir: a grave crise de endividamento que castiga o país e se alastrou por toda a zona do euro, com reflexos em todo o mundo.
Para especialistas, uma combinação de fatores como os investimentos de 9 bilhões de euros, cerca de R$ 21 bilhões, na realização dos Jogos Olímpicos de 2004 e posteriormente à adesão ao euro uma política fiscal frouxa, com pouco controle sobre os gastos públicos, corroeu as bases da economia grega, que desmoronou em 2009. Desde então, o país depende do socorro dos credores e de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) para tentar evitar uma catástrofe generalizada.
A dívida pública grega em 2000 era de 77% do PIB, passou para 110,33% do PIB em 2004. No fim de 2010, a relação dívida/PIB da Grécia era de 144,9%.
Segundo dados divulgados pelo governo grego no fim de 2004, dos cerca de 9 bilhões de euros, quase o dobro do gasto com a realização do Jogos de Sydney, em 2000, cerca de 7 bilhões de euros vieram do governo, que liberou a maior parte dos recursos para investimentos em infraestrutura, em um programa semelhante ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em prática no Brasil.
O país também foi o primeiro a realizar os Jogos Olímpicos depois dos ataques terroristas nos Estados Unidos, em 2001. Esse fato, segundo os especialistas, encareceu muito os custos com segurança para proteger turistas e delegações estrangeiras que participaram do evento.
O orçamento da Olimpíada de Londres, em 2012, é de 9,3 bilhões de libras (cerca de R$ 26 bilhões). A maior parte dos recursos, cerca de 6 bilhões de libras, sairá dos cofres do governo britânico; outros 2 bilhões de libras virão de parte da arrecadação com loteria e o restante, algo próximo de 1bilhão de libras, deverá vir do setor privado.
Para os Jogos no Rio em 2016 o orçamento estava sendo revisto, mas no dossiê da candidatura, o valor total estava estimado em R$ 28,8 bilhões – cerca de R$ 7,5 bilhões a mais do que o custo dos jogos de Atenas, em 2004.
Para Madeleine Blankenstein, sócia da Grant Thornton Brasil, a história dos Jogos Olímpicos mostra que o caso de Montreal, em 1976, onde o evento foi viabilizado totalmente com dinheiro público, e foram necessários cerca de 30 anos para quitar os investimentos, demonstra a necessidade de parcerias entre o governo e a iniciativa privada para tentar minimizar os impactos nas contas públicas e ampliar os possíveis retornos.
“Em Los Angeles, em 1984, a cidade precisou de poucas intervenções para ser preparada para os jogos”, disse a especialista da Grant Thornton Brasil. “A estrutura estava praticamente pronta. Além disso, houve mais investimento privado do que público e o evento foi um sucesso do ponto de vista do retorno financeiro”, acrescentou.
Segundo Madeleine, em 2004, em Atenas, na Grécia, o caso foi bastante diferente. “Havia uma boa infraestrutura turística. Mas a cidade não estava preparada para receber um grande contingente de pessoas ao mesmo tempo”, disse.
Brasil
Traçando um cenário para o Brasil, tendo como base os exemplos vitoriosos e de fracassos, dentro do atual quadro de retração econômica no mundo, o diretor da área de consultoria esportiva da BDO RCS, Amir Somoggi, avalia que receber no País os dois megaeventos em um período muito curto pode ser uma grande oportunidade, por todos os fatores que podem beneficiar o avanço econômico e social.
Mas ele ressalta que essa oportunidade também embute riscos, caso o País não execute de forma correta seu plano estratégico. “A realidade do Brasil é diferente da Grécia. Temos uma economia muito mais forte e vivemos um momento extremamente positivo, com aumento da renda da população e economia bem mais aquecida que na Europa”, disse Somoggi.
“Mas tenho sérias preocupações quanto ao déficit que o País terá, gerado especialmente pelos altos investimentos realizados, principalmente pelo caráter emergencial das obras, um grave defeito nacional”, acrescentou o especialista.
Para Somoggi, se olharmos o próprio exemplo do Brasil, é preciso evitar a repetição dos erros cometidos com a realização dos Jogos Panamericanos de 2007, que, segundo o especialista, foi um fiasco em termos de investimento, que ficaram centrados apenas nos equipamentos esportivos, e uma grande parte deles não gerou retorno para a cidade do Rio de Janeiro.
“Houve um exagero de gastos e não de investimentos. Isso prova que temos que nos preocupar com o aumento absurdo do orçamento que podemos ver com os dois megaeventos”, disse. “Um bom exemplo são os estádios da Copa de 2014 que podem consumir quase R$ 7 bilhões, um valor completamente fora da realidade brasileira”, completou.
Visão de longo prazo
Mas a questão central, na avaliação dos especialistas, é que tanto as Olimpíadas como a Copa do Mundo são eventos de sucesso, mas de curta duração. Durante o período de realização do evento, o desempenho de vários setores cresce rapidamente. “Mas é necessário avaliar tudo de um ponto de vista de longo prazo. Passada a euforia do evento, quem vai utilizar essa estrutura”, disse a especialista da Grant Thornton Brasil.
“O endividamento público cresce muito em função desses eventos, em princípio com cerca de 30 anos para amortizar os custos. Por isso é necessário um bom planejamento para maximizar o retorno dos recursos disponíveis”, acrescentou Madeleine.
No caso da África do Sul, não havia uma tradição de turismo forte. Antes da Copa do Mundo, em 2010, o país era associado com o Apartheid, o regime de segregação racial que vigorou por décadas, e com ex-presidente e ex-ativista Nelson Mandela. Depois da Copa, esse cenário mudou e o país passou a ser uma opção mais conhecida no mundo para o turismo.
Por isso, os analistas afirmam que é necessário não pensar só na cidade sede dos eventos, mas planejar o país como um todo, para o longo prazo.
“O Brasil terá 12 sedes para a Copa do Mundo, e essas sedes terão arenas novas. Isso permite a utilização de parcerias com a iniciativa privada para os eventos. É importante ter bom senso para atrair o capital privado”, disse Madeleine, da Grant Thornton Brasil. “Existe também uma oportunidade de mudar a imagem de algumas cidades, como o Rio de Janeiro, que receberá jogos da Copa e a Olimpíada. A cidade é linda e com uma grande vocação para o turismo, mas ainda está muito associada à questão da violência”, acrescentou.
Por Ilton Caldeira, iG São PauloBNC Economia