Senhor Presidente,
As pessoas e organizações que subscrevem a presente tiveram ciência,
pelos jornais, de que os responsáveis pelo Programa Nuclear Brasileiro
estão em entendimento com a Caixa Econômica Federal para que esta
conceda, à empresa encarregada da construção da Usina Nuclear conhecida
como Angra III, um empréstimo que permita completar essa construção, uma
vez que até agora a solicitação feita no mesmo sentido junto a bancos
europeus não obteve resposta.
Segundo o que chegou ao nosso conhecimento, a demora dos bancos
europeus para atender a esse pedido de financiamento seria devido a
insuficiências nas informações apresentadas pelas autoridades
brasileiras quanto às condições de segurança da nova usina de Angra.
Como estas condições se tornaram mais exigentes após o acidente nuclear
ocorrido em março de 2011 em Fukushima, no Japão, esses bancos e a
Agência alemã Euler Hermes, que daria o seguro ao empréstimo, teriam
solicitado mais informações sobre condições de segurança em Angra.
É do conhecimento geral que há riscos específicos em Angra, ligados
ao histórico de deslizamentos de terra na região, e que as condições de
evacuação da população em caso de acidente são extremamente precárias.
Por outro lado, a informação difundida a evacuação cobriria apenas um
raio de 5 quilômetros em torno das usinas, quando a 15 quilômetros delas
se situa a cidade de Angra dos Reis, com mais de 170.000 habitantes, e
quando o raio adotado em Fukushima foi de 30 quilômetros.
É grave no entanto uma questão sobre a qual a maioria dos cidadãos
brasileiros não tem informação: o projeto de construção das 3 usinas de
Angra teria adotado as normas de segurança usuais na década de 70, mas a
partir do acidente ocorrido no final dessa década, em 1979, em Three Miles Island,
nos Estados Unidos, essas normas foram revistas. A revisão levou em
conta a possibilidade real de acidentes severos, por falhas humanas, de
projeto ou dos equipamentos, que podem levar à explosão dos reatores e à
destruição dos edifícios de contenção dentro dos quais eles se
encontram, propagando elementos radioativos no meio-ambiente.
Sabe-se que as nuvens radioativas que podem se formar com tais
explosões se espalham ao sabor do vento, como ocorreu em Chernobyl, na
então União Soviética, em 1986, atingindo todos os países da Europa. No
nosso caso, elas atingiriam de imediato São Paulo e Rio de Janeiro, as
duas maiores cidades brasileiras, situadas a menos de 200 quilômetros
das usinas.
As novas normas de segurança adotadas em 1985 pelos Estados Unidos, depois do acidente de Three Miles Island,
implicaram na obrigatoriedade de construção de maiores e mais sólidos
edifícios de contenção da propagação da radioatividade, já que os
acidentes são sempre possíveis. Por essa razão o governo
norte-americano exigiu, em 1988, que todas as suas usinas nucleares
fizessem reformas modificando seus projetos originais, para passarem a
contar com os novos edifícios de contenção necessários.
Posteriormente, em 2004, a própria Agencia Internacional de Energia
Atômica expediu sua norma NS–G-1.10, que trata do projeto desse Edifício
de Contenção, para prevenir os efeitos nefastos de fusões totais do
núcleo do reator.
Ora, Sr. Presidente, pela informação que dispomos, não se tomou
nenhuma providência no Brasil para que se obedecesse a essas normas
internacionais, como ocorreu nos Estados Unidos, e nossas usinas
continuaram a funcionar – ou, no caso de Angra III, esta continuou a ser
construída - com projetos feitos antes do acidente de Three Miles Island.
Segundo a informação existente, inclusive a própria Comissão Nacional
de Energia Nuclear licenciou Angra III em 2010, seis anos depois da
expedição das novas normas pela AIEA, sem que estas tivessem sido
levadas em conta, isto é, considerando os projetos originais dessa
usina.
Se tais dados forem verdadeiros, assim como os relativos ao problema
da insuficiência do plano de evacuação de Angra e dos riscos de deslizes
de terra na região, não será de estranhar que as autoridades
brasileiras não tenham podido responder adequadamente à solicitação de
informações dos bancos europeus e da companhia de seguros Hermes.
Mas nos preocupa, senhor Presidente, que a Caixa Econômica Federal
possa se dispor a substituir bancos que não estão querendo financiar um
determinado empreendimento porque este estaria contrariando normas de
segurança internacionais. Seria a nosso ver algo extremamente grave,
desde um ponto de vista de responsabilidade social de uma empresa do
governo, o que não escapará da atenção dos cidadãos e cidadãs
brasileiros, se tais dados forem confirmados e difundidos.
Diante disso, com base na Lei de Acesso à Informação, no. 12.527, de
18 de novembro de 2011, estamos vindo à sua presença para lhe solicitar
as seguintes informações:
1. Existem efetivamente negociações em curso para que a Caixa
Econômica Federal financie o término da construção de Angra III, pelo
fato deste financiamento não ter sido obtido na Europa?
2. A Caixa tem conhecimento da existência de revisões dos
projetos iniciais de Angra III tendo em vista as normas NS–G-1.10 da
AIEA - Agencia Internacional de Energia Atômica, editadas em 2004?
3. A Caixa conhece essas normas? E, se existir efetivamente um
pedido de financiamento de Angra III à Caixa, estão contempladas as
necessidades de recursos decorrentes de obras exigidas por essas normas
da AIEA?
4. A Caixa tem conhecimento de um pedido de informações feito
por bancos europeus e pela Agencia de Seguros Hermes, da Alemanha,
quanto às condições de segurança de Angra III, e do teor desse pedido?
5. A Caixa tem conhecimento da resposta dada pelas autoridades
brasileiras a esse pedido de informações, e da condução das negociações
das autoridades brasileiras com bancos europeus para financiar Angra
III?
6. Se forem confirmadas as informações acima quanto ao
descumprimento de normas da AIEA pelas autoridades brasileiras, a Caixa
considera que pode ignorar esse descumprimento e financiar Angra III sem
que as normas sejam cumpridas?
7. A Lei que instituiu a Caixa Econômica Federal a autoriza a fazer
empréstimos para empresas que constroem ou operam usinas nucleares para a
produção de energia elétrica?
Esperando merecer de V.Excia. a atenção exigida pela gravidade da
questão abordada, aguardamos sua resposta, nos termos da Lei 12.527,
subscrevendo-nos atenciosamente.
(Seguem-se os nomes de 42 cidadãos e cidadãs – integrantes de 36
entidades da sociedade civil brasileira – que participaram em Brasília,
nos dias 23 e 24 de maio de 2013, de Seminário por uma Nova Política
Energética no Brasil).
BNC Notícias