Rafael
Correa é um dos presidentes latino-americanos que os círculos
governamentais norte-americanos consideram incontroláveis e, portanto,
especialmente perigosos. Para livrar-se desse tipo de político [eleito],
Washington usa um vasto arsenal de meios, desde interferir no processo
eleitoral até a eliminação física. Depois da estranha morte de Hugo
Chavez, que liderava a resistência latino-americana contra o Império, é
Correa que, cada dia mais, vem sendo visto como seu sucessor, o líder de
“forças populistas” no continente.
No centro das atividades de política
externa de Correa está o fortalecimento de organizações regionais
latino-americanas nas quais não há representante dos EUA: a Comunidade
dos Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC), a União das Nações
Sul-americanas (UNASUR), a Aliança Bolivariana para os Povos da América
(ALBA) e outras. Correa sempre apoiou as iniciativas de Hugo Chavez que
viabilizaram uma menor dependência da região em relação ao Império, o
esvaziamento da Doutrina Monroe no Hemisfério Ocidental e a interação
entre países latino-americanos com outros centros de poder. Nessa
direção, o Equador está fixando um novo padrão e um exemplo, ao
estabelecer relações amplas com China e Rússia nos campos político,
econômico e militar. A presença dos EUA no país está diminuindo, e o
governo Obama tenta romper essa tendência. O presidente Correa foi
declarado principal responsável pela deterioração das relações
EUA-Equador.
Foi Correa quem iniciou a campanha
internacional contra a empresa Chevron. A Corte de Arbitragem em Haia
dispensou a empresa de ter de pagar multas de vários bilhões de dólares
por poluir a bacia do Rio Amazonas em território do Equador. Correa não
aceitou a decisão, que o Equador considerou humilhante e injustificada.
Visitou pessoalmente a zona do desastre e mostrou a jornalistas e
câmeras de televisão as mãos cobertas de óleo cru deixado a vazar num
antigo ponto de extração, e disse: “Esse é o resultado de a empresa usar
aqui tecnologias ultrapassadas.”
Correa conclamou os consumidores a não
comprar produtos da Chevron. Um tribunal equatoriano acolheu processo
iniciado por índios que habitam a área do desastre ecológico, que exigiu
que a empresa pagasse multa de 19 bilhões de dólares em danos ao meio
ambiente e contra a saúde da população. Fazendo bom uso da grande
experiência que acumulou nesses processos, Chevron conseguiu obter uma
sentença favorável da Corte Internacional de Arbitragem em Haia.
Mas Correa não desistiu. Obteve o apoio
da UNASUR e da ALBA e conclamou a comunidade internacional a manifestar
solidariedade ao Equador. Já não há propriedades da empresa Chevron no
Equador, mas a multa exigida pelos equatorianos poderá ser paga com
propriedades da empresa na Argentina, Brasil ou Canadá – o que implica
graves consequências financeiras para a empresa.
O governo Obama decidiu defender os
interesses da Chevron a qualquer custo. Esse é um dos fatores pelos
quais está direcionando os serviços secretos dos EUA para que deem
solução radical ao “problema Correa”.
O presidente do Equador também trabalha
contra o avanço da Aliança do Pacífico, um dos projetos geopolíticos dos
neoliberais de Washington e que inclui México, Colômbia, Peru e Chile. A
Aliança foi criada para neutralizar o bloco da ALBA, e a presença do
Equador na ALBA não contribui para os objetivos estratégicos dos EUA
naquela região do Pacífico.
A espionagem dos serviços secretos dos
EUA contra o presidente do Equador é cada dia mais visível. Conversas
telefônicas e comunicações em geral interceptadas no círculo mais
próximo do presidente, de seus agentes de segurança e de sua escolta
pessoal ajudam os norte-americanos a saber de todos os movimentos do
presidente, eventos aos quais comparece, listas de participantes e
sistemas de segurança. O monitoramento ininterrupto oferece farto
material para identificar pontos de vulnerabilidade na organização da
segurança. Recentemente, na sua já tradicional fala dos sábados, por
televisão, o presidente Correa falou aos equatorianos sobre a suspeita
concentração de pessoal militar na embaixada dos EUA em Quito.
“Todas as embaixadas têm adidos militares” – disse Correa. – “A maioria, tem um. Mas aqui no Equador eles têm mais de 50!”
Disse também que instruiu o ministro de
Relações Exteriores Ricardo Patino, que “Verifique essa informação! Esse
número gigante de militares norte-americanos aqui não é possível! Terão
de reduzi-lo ao nível normal.”
O presidente também exigiu que seja
investigado um incidente na fronteira Equador-Colômbia, de queda de um
helicóptero equatoriano, com vários militares dos EUA a bordo. A
preocupação de Correa é compreensível; a base dos EUA em Manta foi
fechada em 2009, mas assessores militares do Pentágono e agentes dos
serviços secretos dos EUA continuam a manter operações em território
equatoriano sem qualquer limitação.
A intensificação da espionagem e de
atividades de subversão por agentes norte-americanos no Equador é óbvia.
Segundo informação obtida de especialistas cubanos, divulgadas pelo
site Contrainjerencia.com, só o número de agentes da CIA já dobrou,
entre 2012-2013, na ‘base’ equatoriana. Dúzias de novos agentes chegaram
ao país.
Operam não só a partir da embaixada dos EUA em Quito, onde há,
no mínimo, uma centena de diplomatas (!), mas também usam o consulado
em Guayaquil. Para criar acomodações para o número crescente de agentes
norte-americanos de espionagem (“pessoal de inteligência”) nessa
importante cidade portuária, estrategicamente crucial, o Departamento de
Estado teve de construir um novo prédio para o consulado, o qual,
segundo agência de inteligência que colabora com o Equador, abriga o
equipamento eletrônico da Agência de Segurança Nacional dos EUA. O
cônsul dos EUA em Guayaquil é David Lindwall, chegado ao país depois de
ter sérvio no Iraque como Conselheiro de Assuntos Político-Militares.
Lindwall também serviu como Adido Político nas embaixadas em Bogotá,
Manágua, Tegucigalpa, Assunção e outras capitais latino-americanas.
O nome de Lindwall aparece com alta
ocorrência nos telegramas diplomáticos distribuídos por WikiLeaks.
Qualquer rápida pesquisa nos telegramas assinados por ele obriga a
concluir que Lindwall é experiente funcionário de carreira da CIA, muito
informado sobre a América Latina, enviado ao Equador para resolver
problemas muito sensíveis.
O presidente Correa várias vezes falou
dos EUA como “potência arrogante” que tenta impor ao mundo o que entende
que sejam “valores democráticos universais” e vive a dar aos outros
“lições de moral e boas maneiras”. O presidente frequentemente repete
que os EUA têm um dos sistemas eleitorais mais imperfeitos do mundo, que
permite a eleição de candidatos derrotados nas urnas. Correa considera
“insultantes” as tentativas da Agência de Desenvolvimento Internacional
(USAID), para impor padrões da democracia norte-americana ao Equador e
outros países, como se fossem colônias dos EUA. Recentemente, ao
comentar o fim do financiamento que a USAID dava a projetos no Equador,
no valor de 32 milhões de dólares, Correa sugeriu, não sem sarcasmo, que
Washington aplicasse a mesma quantia para aprimorar a democracia
norte-americana.
O escritório da USAID está deixando o
Equador, mas as operações de espionagem dos EUA para desestabilizar o
país continuam. Ao que tudo indica, novos ataques nessa área podem estar
em conexão com planos de Correa para reduzir o tamanho das forças
armadas e transferir parte do pessoal militar para as agências
policiais. “Exércitos de dissidentes” anônimos já divulgaram declaração
hostil a Correa e suas “tentativas para tomar o lugar de Chávez no
continente”. Até o palavreado indica quais são as forças por trás da
campanha que está sendo lançada contra Correa.
Durante levante policial em setembro de
2010, o presidente do Equador foi apanhado no fogo cruzado de atiradores
postados em prédios; daquela vez, escapou ileso. É perfeitamente
possível que a inteligência dos EUA esteja planejando coisa semelhante
para futuro próximo. Afinal, depois dos ataques contra New York em 2001,
as agências norte-americanas de espionagem receberam carta branca para
eliminar todos os declarados inimigos dos EUA. Ninguém cancelou essa
ordem.
Fonte: strategic-culture
BNC Mundo