Natalino Sagado Filho[*]
O
escritor Mia Couto, em seu livro “Estórias abensonhadas”, incluiu um
conto chamado “Nas águas do tempo”, no qual ele discorre acerca da vida de seu
avô, descrevendo-o como um “homem em flagrante infância, sempre arrebatado
pela novidade de viver”.
Lembrei-me
dessa frase por ela ser perfeita para retratar a história de um dos grandes
homens nascidos nesta terra. Por conta de compromissos profissionais fora do
país, não pude atender ao convite e estar presente à deflagração de homenagens
realizadas recentemente ao escritor, médico e padre João Mohana. Trata-se da
iniciativa do grupo católico Caminho do Meio, que pretende concretizar
uma série de eventos até a culminância do mês de junho de 2015, quando o inesquecível
sacerdote, se vivo estivesse, completaria 90 anos.
Mesmo
a distância, fiquei feliz com o sucesso desse primeiro evento que lotou o
auditório do Conselho Regional de Medicina e que foi cenário de manifestações
de apreço e carinho por João Mohana, a exemplo dos depoimentos do sobrinho José
Antônio Mohana, da escritora Arlete Nogueira da Cruz, do radialista Robson Jr.
e de Dom José Belisário. Soube que até o cantor Padre Zezinho enviou um e-mail
a respeito da importância da vida e obra de Mohana, o qual foi lido pelo Pe. Djalma
Lúcio. Abrilhantando ainda mais o evento – numa iniciativa dos músicos Joaquim
Santos e Paulo Santos, da Escola de Música do Maranhão –, houve a execução de
ladainhas compostas por Mohana, em flauta e violão.
O
Padre João Mohana marcou um capítulo inesquecível de minha vida, pois, no dia
31 de dezembro de 1973, foi ele quem celebrou meu casamento. Já são mais de 40
anos, contudo me lembro até hoje de sua homilia e de sua prédica sobre o
compromisso, a união e o esforço pelo bem comum. Assim como eu, Mohana também
era médico, mas, atendendo ao chamado de São Lucas, preferiu curar almas
feridas e corações desesperançados com o bálsamo da palavra eterna. A medicina
perdeu um profissional dedicado, todavia os templos, as bibliotecas e os
corações ganharam muito mais com a dedicação integral desse homem que se deixou
ser instrumentalizado por Deus para o nobre serviço de sua causa.
Mohana
jamais quis o holofote. Era homem de ação e fez questão de deixar isso claro
várias vezes. Em entrevista publicada no Jornal do Dia (Porto Alegre, 25/10/55)
e reproduzida por Arlete Nogueira da Cruz no Suplemento Cultural &
Literário Jornal Pequeno Guesa Errante, Mohana rejeita qualquer rótulo de
bondade e explica sua vocação: “Bom, só Deus e os gestos de Deus. Toda
bondade sai dele e continua a depender dele, mesmo quando não nos transformamos
em seu receptáculo. Não fui eu que o escolhi (se fosse, poderia sentir a
vaidade de um palpite iluminado), foi Ele que me tirou da prateleira (foi quem
me pôs lá também) e disse: vou encher de graças este vidro humano. Os outros
ficaram na prateleira iguais a mim (o que não me envaidece) ou melhores do que
eu (o que me humilha). Quantos não fariam melhor gestão com os dons que recebi
para administrar”.
Autor
de obras como “O outro caminho” (que recebeu o prêmio da Academia Brasileira de
Letras como o melhor romance publicado no Brasil, em 1952, o qual foi alvo de
diversas traduções), “O mundo e eu”, “Sofrer e amar”, “Maria da tempestade”,
“Plenitude humana”, “Paz pela Oração”, “A vida sexual dos solteiros e casados”,
bem como de diversas outras obras, Mohana era escritor prolífico e
perfeccionista. Chegou a rasgar livros inteiros e parte de alguns – agora
famosos – por não os considerar como bons textos. Dedicou-se a escrever para
casais e famílias como alguém que oferece um guia prático de condução para uma
vida de alegria e vitória. Era amigo dos jovens, aos quais sempre prestava
conselhos, e isso o fez seguir a máxima pregada por Chesterton, reescrita no seu
famoso livro Ortodoxia: “O jovem moderno nunca mudará o ambiente. Ele sempre
mudará a mente”.
Mohana
também era um apaixonado inconteste por música: declarou diversas vezes que
gostaria de ter tido seu trabalho de resgate de partituras musicais do século
XVIII reconhecido pelo Maranhão. Amava e valorizava a arte, a poesia, a cultura
e a pintura. Apóstolo do povo, nunca se distanciou do púlpito frio. Pelo
contrário: amava a humanidade, imiscuía-se nela com o denodo de servir com seu
talento e de seguir a lição do Mestre, que comia com publicanos e pecadores.
Fundador
da Juventude Universitária Autêntica Cristã (JUAC), Mohana fez discípulos em
todas as camadas da sociedade, dando a si mesmo exemplos de humildade e
abnegação. Nesse sentido, lembro o rabino Nilton Bonder, que, em seu livro
“Sagrado”, apregoa: “Para ser rico um ser humano tem que sacrificar desejos
e com isso perceber o sagrado”. Mohana viu o Sagrado e levou outros a vê-lo
também. Com isso, enriqueceu corações, engordou almas, saciou ansiedades. Se,
como disse Tucídides, “o segredo da felicidade é a liberdade. O segredo da
liberdade é a coragem”, o Maranhão pode se orgulhar de seu nobre e corajoso
cavaleiro do Evangelho: João Mohana, que conseguiu reunir em um único ser o sábio,
o humanista, o psicólogo, o apóstolo e o médico.
Poderíamos
dizer ainda que Mohana, seguindo o exemplo de Paulo, o apóstolo, pregou o amor,
a misericórdia, a renúncia, a compaixão e o sofrimento. Na verdade, a sua
própria vida era o que tinha menos importância, pois, no dizer paulino, registrado
na Epístola aos Filipenses, “(...) viver é Cristo e o morrer é lucro”.
Que a lembrança de teu nome jamais se apague, Mohana! E que as atuais e futuras
gerações venham a saber que houve aqui, nesta terra, um homem santo entre nós.