A violência é um dos temas mais discutidos e que mais mobilizam paixões entre os brasileiros. Em geral, o senso comum tem respostas prontas, tratando toda a questão de forma muito simplificada: de um lado, os culpados, bandidos, violentos; de outro, os cidadãos de bem, verdadeiros titulares de direitos, que só querem viver em paz e para isso precisam de segurança. Segurança, por sua vez, garantida fundamentalmente através de repressão e combate ao crime.
Parece um quebra-cabeças fácil de montar: quanto menos punição, mais violência. Nesse contexto, estão inseridos os programas de TV que têm na violência e no diálogo com o medo da população suas bases de sustentação; políticos que usam o combate à violência e à criminalidade como mote para angariar votos; movimentos sociais, em geral surgidos no âmbito da classe média, buscando o fim da violência através de mais repressão; os discursos e articulações em defesa da redução da maioridade penal e do aumento do tempo de internação dos adolescentes como parte essencial da solução do problema.
O Mapa do Encarceramento – Jovens do Brasil, divulgado esta semana, constata o aumento, em todos os estados da federação, do percentual de jovens nas prisões brasileiras, entre os anos de 2005 e 2012. Ao diagnosticar o perfil da população carcerária, reafirma a constatação acerca da seletividade penal no Brasil: jovens negros têm mais chances de ir para a cadeia. Essa parcela da juventude é justamente a que não possui acesso a direitos sociais mais básicos: a maior parte da população carcerária, segundo a pesquisa, não completou o ensino fundamental, por exemplo.
Além da maior propensão ao encarceramento, jovens entre 18 e 29 anos têm mais possibilidades de serem vítimas de assassinato. A ausência de oportunidades para a juventude pobre e negra das periferias do país é reflexo de um quadro anterior de violação estrutural de direitos de crianças e adolescentes para os quais a maior probabilidade de encontro com o Estado se dá via sistema socioeducativo, que por vezes é ainda mais violador do que o sistema carcerário (ver nota). O problema da violência na sociedade não está relacionado à perspicácia de adolescentes que friamente se utilizariam de sua condição de “inimputáveis” para cometer crimes cruéis, ou à esperteza de adultos que os recrutam para essas tarefas. Não está, sequer, nos adolescentes: de acordo com o Mapa, de todos os atos infracionais cometidos por adolescentes, aqueles contra a vida representam 9%.
Portanto, a origem da violência está na base estrutural de uma sociedade de classes, que reflete suas desigualdades e contradições em todas as esferas. A principal contribuição do Mapa do Encarceramento é demonstrar a expressão dessas contradições e desigualdades no sistema penal. Ampliá-lo ou fortalecê-lo nos moldes atuais não é parte da solução do problema. Pelo contrário, continuará contribuindo para o aumento dos fossos estruturais que geram a violência no Brasil.
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Rodrigo Santaella é cientista social, professor do Instituto Federal do Ceará.
Natalia Castilho é advogada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE), formada pela Universidade Federal do Ceará e com mestrado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, e professora da UniChristus, em Fortaleza.
Nota: apesar do Mapa não tratar profundamente das diferenças qualitativas entre o sistema socioeducativo e o sistema carcerário, a experiência da autora no acompanhamento do sistema socioeducativo cearense como advogada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente fundamenta essa afirmação.
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