22 de fevereiro de 2014

Ameaças dentro do Judiciário marcaram caminhada da Lei da Ficha Limpa



Com informações da Coluna Esplanada

Como um juiz de primeira instância do interior do Maranhão – estado com mais baixo IDH do país e, a exemplo de outros, dominado por oligarquias políticas – conquistaria aliados para apresentar aos congressistas uma proposta de iniciativa popular que prejudicaria muitos deles, por suas biografias suspeitas? Pelo ‘exagerado otimismo’ de Marlon Jacinto Reis, o protagonista desse script. A gestação da Lei da Ficha Limpa se confunde com sua história. Na década de 90 o rapaz mulato, pobre, sem raízes nas esferas judiciais tinha tudo para virar um peão. Com espírito revolucionário, estudou e conquistou sua toga por mérito. Forjou na cabeça que não seria impossível neste século 21 quebrar resistências ao debate que acabou por aperfeiçoar a Lei de Inelegibilidades (1990). Seria sim muito difícil, e foi.

O ano era de 1999. A Seleção Brasileira perdera a Copa, mas estava feliz. O presidente Fernando Henrique Cardoso se reelegera com folga e a economia ia bem, apesar dos primeiros sinais da crise internacional que respingaria por aqui. Naturalmente qualquer mandatário perguntaria o que mudar na legislação? Marlon e amigos promotores estavam insatisfeitos. Ressuscitou o espírito revolucionário da juventude, a ponto de bancar excursões pelo interior do Maranhão e Piauí, num trabalho voluntário nos fins de semana, de conscientização popular para barrar candidatos processados na Justiça. Ele não sabia, já iniciara a campanha da Ficha Limpa – muitas vezes sob a mira de olhares desconfiados e coldres escondidos. Os amigos subiam em carrocerias de caminhões, com caixa de som emprestada.

“Organizamos comícios, bairro por bairro, reunimos mais de 2 mil pessoas em praça, para pedir que denunciassem compra de votos”. Ao passo que o povo adorava aquele novo tipo de comício – ninguém pedia voto ou prometia nada – o juiz comprou briga com boa parte dos tribunais dos dois estados. Os magistrados mais veteranos se enciumaram, mas também houve aqueles que o ameaçaram por serem ligados aos mandatários com processos. E volta aquela história: todos se conhecem.

“Por conta desse movimento fui vítima de uma grande incompreensão no Tribunal de Justiça”, revela Marlon. “Havia desembargadores que queriam que eu fosse afastado da magistratura, e diziam que minha atitude era política”.

Isso era pouco. Resistência e ciumeira há em qualquer profissão. Ironicamente passou a ser chamado de “Ovelhinha Negra” do TJ. “Chegou a haver um pedido de afastamento, mas a decisão não saiu. Respondi a muitos processos administrativos disciplinares. Nenhum deles tratava disso, mas tudo que acontecia comigo virava um processo. Eu era malvisto dentro da própria magistratura”. Isolado e decepcionado, já decidira deixar a carreira. Não fosse uma conversa com um bispo católico amigo, hoje talvez não teríamos a Ficha Limpa. Aconselhado a ficar, resistiu.

Foi num desses encontros, em 2002, na pequena Santa Filomena, Sul do Piauí, que nasceu a ideia da Lei – muito além da Inelegibilidade – para enquadrar de fato políticos enrolados. Foi na mesa de boteco a primeira ata informal do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) – hoje são 330 comitês espalhados pelo país.

O aniversário do juiz sempre foi marcante. No dia 10 de Dezembro de 2007 o MCCE iniciou para valer o projeto, que culminaria com a entrega do calhamaço com 1,3 milhão de assinaturas dia 29 de Setembro de 2009, no Congresso Nacional e com ampla repercussão. “Nosso maior objetivo sempre foi mobilizar as pessoas. Eu desafio qualquer outro movimento a demonstrar que fez um trabalho de base tão profundo quanto o nosso”, relata o juiz.

BNC Justiça

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