Com informações da Coluna Esplanada
Como um juiz de primeira instância do
interior do Maranhão – estado com mais baixo IDH do país e, a exemplo de
outros, dominado por oligarquias políticas – conquistaria aliados para
apresentar aos congressistas uma proposta de iniciativa popular que
prejudicaria muitos deles, por suas biografias suspeitas? Pelo
‘exagerado otimismo’ de Marlon Jacinto Reis, o protagonista desse
script. A gestação da Lei da Ficha Limpa se confunde com sua história.
Na década de 90 o rapaz mulato, pobre, sem raízes nas esferas judiciais
tinha tudo para virar um peão. Com espírito revolucionário, estudou e
conquistou sua toga por mérito. Forjou na cabeça que não seria
impossível neste século 21 quebrar resistências ao debate que acabou por
aperfeiçoar a Lei de Inelegibilidades (1990). Seria sim muito difícil, e
foi.
O ano era de 1999. A Seleção Brasileira
perdera a Copa, mas estava feliz. O presidente Fernando Henrique Cardoso
se reelegera com folga e a economia ia bem, apesar dos primeiros sinais
da crise internacional que respingaria por aqui. Naturalmente qualquer
mandatário perguntaria o que mudar na legislação? Marlon e amigos
promotores estavam insatisfeitos. Ressuscitou o espírito revolucionário
da juventude, a ponto de bancar excursões pelo interior do Maranhão e
Piauí, num trabalho voluntário nos fins de semana, de conscientização
popular para barrar candidatos processados na Justiça. Ele não sabia, já
iniciara a campanha da Ficha Limpa – muitas vezes sob a mira de olhares
desconfiados e coldres escondidos. Os amigos subiam em carrocerias de
caminhões, com caixa de som emprestada.
“Organizamos comícios, bairro por
bairro, reunimos mais de 2 mil pessoas em praça, para pedir que
denunciassem compra de votos”. Ao passo que o povo adorava aquele novo
tipo de comício – ninguém pedia voto ou prometia nada – o juiz comprou
briga com boa parte dos tribunais dos dois estados. Os magistrados mais
veteranos se enciumaram, mas também houve aqueles que o ameaçaram por
serem ligados aos mandatários com processos. E volta aquela história:
todos se conhecem.
“Por conta desse movimento fui vítima de
uma grande incompreensão no Tribunal de Justiça”, revela Marlon. “Havia
desembargadores que queriam que eu fosse afastado da magistratura, e
diziam que minha atitude era política”.
Isso era pouco. Resistência e ciumeira
há em qualquer profissão. Ironicamente passou a ser chamado de
“Ovelhinha Negra” do TJ. “Chegou a haver um pedido de afastamento, mas a
decisão não saiu. Respondi a muitos processos administrativos
disciplinares. Nenhum deles tratava disso, mas tudo que acontecia comigo
virava um processo. Eu era malvisto dentro da própria magistratura”.
Isolado e decepcionado, já decidira deixar a carreira. Não fosse uma
conversa com um bispo católico amigo, hoje talvez não teríamos a Ficha
Limpa. Aconselhado a ficar, resistiu.
Foi num desses encontros, em 2002, na
pequena Santa Filomena, Sul do Piauí, que nasceu a ideia da Lei – muito
além da Inelegibilidade – para enquadrar de fato políticos enrolados.
Foi na mesa de boteco a primeira ata informal do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral (MCCE) – hoje são 330 comitês espalhados pelo país.
O aniversário do juiz sempre foi
marcante. No dia 10 de Dezembro de 2007 o MCCE iniciou para valer o
projeto, que culminaria com a entrega do calhamaço com 1,3 milhão de
assinaturas dia 29 de Setembro de 2009, no Congresso Nacional e com
ampla repercussão. “Nosso maior objetivo sempre foi mobilizar as
pessoas. Eu desafio qualquer outro movimento a demonstrar que fez um
trabalho de base tão profundo quanto o nosso”, relata o juiz.
BNC Justiça