São Luis - Uma ferramenta criada para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher: foi com esse objetivo que surgia, há oito
anos, nos termos do Artigo 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher, a Lei Maria da Penha. Essa lei estabelece que todo o caso de violência
doméstica e intrafamiliar é crime, e deve ser apurado mediante inquérito
policial e ser remetido ao Ministério Público.
Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei n.
11.340 passou a ser chamada Lei Maria da Penha, em homenagem à mulher cujo
marido tentou matar duas vezes e que desde então se dedica à causa do combate à
violência contra as mulheres. No Maranhão, são duas as varas especializadas no
Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: em São Luís e em
Imperatriz. Na capital, tramitam mais de 4 mil processos, e em Imperatriz são
quase 600 processos. Todavia a proteção judicial ocorre em todas as 109 comarcas
do Estado, cujos juízes têm competência para processar e julgar crimes dessa
competência
“É uma lei que veio para transformar a
sociedade, a forma de pensar de homens e mulheres. Hoje, a mulher não tem mais
medo de procurar a Justiça quando em casos de violência dentro de casa, pois
ela sabe que vai ter uma resposta efetiva, como por exemplo, as medidas
protetivas”, ressalta o juiz Nélson Moraes Rêgo, titular da Vara da Mulher de
São Luís
A capital maranhense registra, hoje, de
acordo com dados da Delegacia Especial da Mulher, uma média de 15 denúncias por
dia, as quais podem gerar inquéritos, processos ou apenas boletins de
ocorrência. “Com o advento da Maria da Penha, a mulher não admite mais sofrer
violência calada, ela quer denunciar. As causas da agressão são quase sempre as
mesmas: o companheiro que não aceita a separação, ciúmes”, relatou Kazumi
Tanaka, delegada titular da Delegacia Especial da Mulher, ao divulgar o balanço
parcial do ano de 2014.
Ela destaca que as ocorrências mais frequentes
são denúncias de ameaça e lesão corporal. No ano passado, a DEM registrou 5.365
denúncias, e requereu junto à Vara da Mulher pouco mais de 1.300 medidas
protetivas, entre as quais manter o agressor sempre distante da vítima. Kazumi
enfatiza que, somente em 2014, já são quase 2.700 casos registrados pela DEM. De
acordo com dados da Secretaria da Mulher do Maranhão, São Luís ocupa o 9º lugar
no ranking de homicídios contra
mulheres entre as capitais brasileiras. Já o Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (IPEA) aponta o País em 7º lugar na ocorrência de crimes dessa
natureza.
Divulgando a Lei - No que tange às formas de
divulgação da lei, a Vara da Mulher de São Luís elaborou e pôs em prática o
projeto Maria Vai à Escola, por meio uma equipe da unidade judicial visita
escolas e comunidades realizando palestras sobre Lei Maria da Penha. “Nesse
sentido, elaboramos uma cartilha, que é distribuída junto à comunidade e
realizamos, frequentemente, campanhas que encorajam a mulher a denunciar alguma
situação de violência, seja essa violência física, emocional, sexual ou de
qualquer outro tipo”, afirma o juiz Nélson Rêgo.
No interior do estado, principalmente em
comarcas menores, seus povoados e termos judiciários, os juízes estão sempre
realizando palestras junto à comunidade no sentido de divulgar e explicar o
funcionamento e aplicação da Lei Maria da Penha. Um desses exemplos é a juíza
Raquel Teles que, por intermédio do projeto “Justiça e Cidadania – porque fazer
o bem faz bem”, realizou em ação recente uma palestra para mais de 300
mulheres, destacando os principais pontos da Lei Maria da Penha. A magistrada é
titular da Vara Única da Comarca Matões. Ela já havia feito o mesmo trabalho
nas comarcas de Governador Nunes Freire e de Poção de Pedras.
Atuante na divulgação e na aplicação da Maria
da Penha, a juíza Sara Gama desenvolveu diversos projetos em Imperatriz, que
abrangeram cidades vizinhas. “Precisamos nos unir e reforçar a atuação dessa
rede de apoio com as ações do Poder Judiciário. Daí a importância da
participação dos governos, dos órgãos de defesa e promoção dos direitos da
mulher e de parceiros voluntários para enfrentar a questão da violência
doméstica”, destacou a juíza, que foi titular da Vara Especial da Mulher de
Imperatriz por alguns anos e hoje é juíza auxiliar em São Luís.
“A violência contra a mulher está em todos os
lares, ricos ou pobres, mas é preciso uma atenção especial aos casos que
envolvem mulheres de baixa renda e escolaridade e sem formação profissional.
Geralmente essas mulheres não são provedoras de suas famílias, e sim o
companheiro agressor, e isso causa uma dependência financeira dela em relação
ao agressor, e muitas vezes ela acaba convivendo com essa situação de violência
para não ver os filhos passando fome, por exemplo. E nas comunidades rurais a
situação é mais complicada”, enfatizou Sara.
“É uma lei revolucionária e tem trazido
resultados significativos na luta contra a violência de gênero, mas ainda
carece de alguns ajustes”. A afirmação é da juíza Sônia Amaral, magistrada
titular da 10ª Vara Cível de São Luís e que desenvolve estudos na área e há uma
década tornou-se mestra em Políticas Públicas pela Universidade Federal do
Maranhão, abordando o tema Violência Doméstica Contra a Mulher - Análise da
Casa Abrigo de São Luís. Como reconhecimento ao trabalho desenvolvido nessa
temática, Sônia Amaral recebeu, em 2009, o Prêmio Bertha Lutz, que foi
instituído pelo Senado como forma de homenagear mulheres que tenham prestado
relevantes serviços na defesa dos direitos femininos e em questões de gênero.
“É uma luta que nunca para. Graças a essa
nova mentalidade, que está surgindo em função da lei, os números estão mudando.
E as varas especializadas do Maranhão têm apresentado um trabalho de grande
destaque nesse âmbito”, ressalta a magistrada, que já foi convidada pelo Banco
Mundial para proferir palestras em diversos países, a exemplo de Austrália e
Espanha.
Caso
concreto
– Em 2009, depois do término de um namoro de 3 anos e meio, um homem,
inconformado com o término da relação, enviou fotos da ex-namorada nua a
diversos emails. Ela então recorreu à Delegacia Especial da Mulher, que
solicitou de imediato junto à Justiça as medidas protetivas, entre as quais,
busca e apreensão de computador e dispositivos que pudessem conter alguma
imagem (foto ou vídeo) que colocasse em risco a sua honra.
O agressor, embora tenha cometido o crime de
forma virtual, foi colocado em um grupo reflexivo, coordenado pela equipe
multidisciplinar da Vara da Mulher de São Luís. “Pensamos que o homem que
comete algum crime contra a mulher também deve ser assistido. É preciso
compreender o porquê do cometimento do crime e trabalhar em cima disso, com uso
de palestras, dinâmicas de grupo, para que o agressor não volte a cometer algum
mal à mulher. O índice de reincidência praticamente inexiste”,relata Raimundo Pereira Filho, psicólogo da
Vara da Mulher. O grupo dura cerca de três meses, em encontros semanais.
Após algumas audiências, e tentativas de conciliação,
haja vista o constante papel da Justiça em evitar o conflito em casos de menor
gravidade, o homem foi condenado por injúria, à pena de 2 meses e 20 dias,
levados em consideração o arrependimento, a confissão e o seu perfil. A pena
foi cumprida em regime aberto na Casa do Albergado. “De um ato impensado veio o
desgaste de um processo judicial, mas veio também um grande aprendizado.
Participar do grupo reflexivo da vara da mulher me fez repensar sobre muitas
coisas. E uma delas, certamente, é a certeza de que não voltarei a cometer esse
erro”, declarou o agressor.
Como
Surgiu a Lei
- O caso nº. 12.051/OEA, de Maria da Penha Maia Fernandes, foi utilizado
como homenagem à Lei 11.340. Ela foi vítima de violência doméstica durante 23
anos de casamento. Em 1983,
o marido tentou assassiná-la por duas vezes. Na primeira, com arma de fogo, deixando-a
paraplégica, e, na segunda, por eletrocussão e afogamento. Após essa tentativa
de homicídio ela tomou coragem e o denunciou. O marido de Maria da Penha só foi
punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime
fechado, para revolta de Maria com o poder público.
Em razão desse fato, o Centro pela Justiça
pelo Direito Internacional e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos
da Mulher (Cladem), juntamente com a vítima, formalizaram uma denúncia à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que é um órgão
internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de
violação desses acordos internacionais. Essa lei foi criada com os objetivos de
impedir a ocorrência de violência cometida por homens contra suas companheiras
e proteger os direitos da mulher.
A lei tipifica as situações de violência
doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a
pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das
mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas
e serviços de proteção e de assistência social. Dispõe sobre a criação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências.
Caso alguma mulher precise de ajuda ou de
informações acerca de como agir em casos de violência doméstica e familiar,
diversos são os órgãos à disposição, entre os quais a Secretaria de Estado da
Mulher, mediante a Ouvidoria da Mulher (98 - 3235-3415), a Delegacia Especial
da Mulher (98 - 3214-8650), a Vara da Mulher (98 – 3194-5695) e o Disque 180,
da Central de Atendimento à Mulher . Ela pode ligar de qualquer cidade do
estado.
BNC Justiça