POR DIEGO ESCOSTEGUY, COM MARCELO ROCHA E LEANDRO LOYOLA
Brasília - No final do governo Lula, um jovem e brilhante operador do mercado financeiro ascendia no rarefeito mundo da elite política de Brasília.
Era Fabrizio Neves, dono da Atlântica Asset, empresa que montara fundos
no mercado financiados sobretudo pelo Postalis, fundo de pensão dos
Correios. O Postalis era comandado por afilhados do ministro de Minas e
Energia, Edison Lobão, e do senador Renan Calheiros,
ambos do PMDB. Fabrizio dava festas e promovia jantares em Brasília e
São Paulo. Num deles, contratou o cantor Emílio Santiago e um dos
pianistas que tocavam com Roberto Carlos. Colecionador de armas, dono de
bom papo, Fabrizio fez amizades com políticos, diretores do Postalis e
lobistas – a maioria deles ligada ao PMDB. Segundo seis desses altos
quadros do PMDB, Fabrizio participava também das reuniões em que se
discutia o financiamento das campanhas em 2010. Com pouco tempo de
Brasília, Fabrizio já se tornara um homem poderoso na capital.
Sobre Fabrizio, sabia-se apenas que ele morara em Miami, onde fizera
fortuna no mercado financeiro. No Brasil, ele estava em alta; nos Estados Unidos,
era caçado por credores e pelos investigadores da Securities and
Exchange Comission, a SEC, órgão que regula o mercado financeiro
americano. Acusavam-no de ser o arquiteto de uma fraude que envolvia o
dinheiro arrecadado no Postalis. A caçada judicial terminou recentemente
nos Estados Unidos, e suas consequências ainda não se fizeram sentir no
Brasil. A ascensão de Fabrizio por lá se deu com dinheiro daqui –
dinheiro dos carteiros e funcionários dos Correios, que financiam suas
aposentadorias contribuindo para o Postalis. A queda de Fabrizio
terminou por lá. Mas ainda promete começar por aqui. E isso aterroriza o
PMDB.
A história de Fabrizio, contada em documentos confidenciais obtidos por
ÉPOCA nos Estados Unidos e no Brasil, ilustra à perfeição o efeito
devastador da influência da política nos fundos de pensão das estatais. É
um problema antigo, que resulta em corrupção e prejuízos aos fundos.
Ele atingiu novo patamar no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, com a ascensão de sindicalistas ligados ao PT à direção de
fundos como Previ, do Banco do Brasil, ou Petros, da Petrobras.
O caso do Postalis, maior fundo do Brasil em número de participantes
(110 mil), é especial. Foi o único fundo de grande porte aparelhado, no
governo Lula, pelo PMDB. Por indicação de Lobão, o engenheiro Alexej
Predtechensky, conhecido como Russo, assumiu a presidência do Postalis
em 2006. Com o apoio de Lobão e Renan, o administrador Adílson Costa
assumiu o segundo cargo mais importante do Postalis: a diretoria
financeira.
Amigo de Lobão, Russo tinha no currículo a quebra da construtora Encol,
nos anos 1990. Quando diretor da Encol, fora acusado de irregularidades
na gestão. Fora também sócio de Márcio Lobão, filho de Edison Lobão,
numa concessionária que vendia BMWs. No Postalis, sua gestão resultou em
péssimos números. Dono de um patrimônio de R$ 7 bilhões, o Postalis vem
acumulando perdas significativas. Entre 2011 e 2012, o deficit chegou
a R$ 985 milhões. No ano passado, o fundo somou R$ 936 milhões
negativos e, em 2014, as contas no vermelho já somam mais de R$ 500
milhões, com uma projeção para encerrar o ano acima de R$ 1 bilhão.
A situação do Postalis é tão grave que a Superintendência Nacional de
Previdência Complementar, a Previc, responsável por fiscalizar os fundos
de pensão, avalia uma intervenção no fundo. Os auditores da Previc
estão cansados de notificar e autuar os diretores por irregularidades.
Houve, ao menos, 14 autuações nos últimos anos, a que ÉPOCA teve acesso. Os mandatos de Russo e Adílson se encerraram em
2012. Foram substituídos por novos apadrinhados de Lobão e Renan. A
presidência ficou com o PT, que indicou Antônio Carlos Conquista –
autuado pela Previc por irregularidades na gestão de outro fundo. PT e PMDB
disputam agora as decisões pelos investimentos do Postalis. A ordem
política, dizem parlamentares, lobistas e funcionários do Postalis, é
diminuir os maus investimentos. Trocá-los por aplicações conservadoras,
de maneira a evitar a intervenção.
A conexão Miami
A ascensão de Fabrizio – e da turma do PMDB no Postalis – começa em 2006. O Postalis acabara de criar, ao lado de Fabrizio, o fundo Brasil Sovereign, que deveria negociar, nos Estados Unidos, títulos da dívida pública brasileira. É um tipo de investimento conservador, mais seguro para quem investe nele, embora, por isso mesmo, costume render menos. Ao menos 80% do dinheiro do Brasil Sovereign deveria ser investido nesses títulos. Não foi o que aconteceu. Em maio de 2006, Fabrizio, então dono da Atlântica Asset, passou a controlar outra financeira chamada LatAm, com sede em Miami. Cabia à LatAm operar as transações com títulos da dívida pública brasileira. Ao banco BNY Mellon, cabia administrar e fiscalizar as operações de Fabrizio. Em vez de fazer investimentos conservadores, Fabrizio, dizem a investigação da SEC e uma auditoria externa contratada pelo Postalis, fez roleta-russa com o dinheiro do Postalis. Investia em produtos financeiros complexos e arriscados, por meio de um instrumento conhecido como “nota estruturada”. Ao fazer as operações, segundo as investigações, desviava dinheiro para contas secretas de empresas com sede em paraísos fiscais. Por baixo, os investigadores estimam que US$ 24 milhões foram cobrados indevidamente do Postalis.
A ascensão de Fabrizio – e da turma do PMDB no Postalis – começa em 2006. O Postalis acabara de criar, ao lado de Fabrizio, o fundo Brasil Sovereign, que deveria negociar, nos Estados Unidos, títulos da dívida pública brasileira. É um tipo de investimento conservador, mais seguro para quem investe nele, embora, por isso mesmo, costume render menos. Ao menos 80% do dinheiro do Brasil Sovereign deveria ser investido nesses títulos. Não foi o que aconteceu. Em maio de 2006, Fabrizio, então dono da Atlântica Asset, passou a controlar outra financeira chamada LatAm, com sede em Miami. Cabia à LatAm operar as transações com títulos da dívida pública brasileira. Ao banco BNY Mellon, cabia administrar e fiscalizar as operações de Fabrizio. Em vez de fazer investimentos conservadores, Fabrizio, dizem a investigação da SEC e uma auditoria externa contratada pelo Postalis, fez roleta-russa com o dinheiro do Postalis. Investia em produtos financeiros complexos e arriscados, por meio de um instrumento conhecido como “nota estruturada”. Ao fazer as operações, segundo as investigações, desviava dinheiro para contas secretas de empresas com sede em paraísos fiscais. Por baixo, os investigadores estimam que US$ 24 milhões foram cobrados indevidamente do Postalis.
Segundo as investigações, a maioria das empresas que recebiam o
dinheiro desviado era controlada por Fabrizio. Havia uma que não era: a
conta da Spectra Trust, empresa sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, um
paraíso fiscal. Segundo a Justiça americana, a conta pertencia a
Predtechensky, o Russo, então presidente do Postalis. Um dos dirigentes
da corretora de Fabrizio, que colaborou com as investigações, disse em
depoimento que ajudou a montar as contas secretas. E que Russo fora
apresentado aos funcionários da corretora como o homem dos “fundos de
pensão brasileiros”. Em novembro de 2007, US$ 1,5 milhão foi transferido
à Spectra. Os investigadores ainda tentam descobrir o total depositado
na conta da Spectra.
Meses depois, em 11 de julho de 2008, o Postalis depositou R$ 100
milhões na conta do fundo Brasil Sovereign. Era o sexto e último grande
investimento do Postalis no fundo operado por Fabrizio. Desde que o
Brasil Sovereign começara, três anos antes, o Postalis transferira R$
371 milhões para o controle, na prática, de Fabrizio. A soma dos valores
era alta, mesmo para os padrões dos fundos de pensão das estatais. Os
investimentos passavam relativamente despercebidos por causa de uma
tática comum. Em vez de fazer grandes investimentos de uma só vez,
diretores como Russo e Adílson depositavam somas mais modestas,
distribuídas por meses – até anos. O expediente era possível graças à
larga autonomia que Russo e Adílson detinham. Podiam autorizar, sem
precisar recorrer ao Conselho do Postalis, investimentos individuais de
até R$ 120 milhões. Para efeito de comparação, diretores da Petrobras
têm autonomia para gastar até R$ 30 milhões – e, mesmo assim, com mais
limitações. A mesma autonomia existe nos fundos de pensão das outras
estatais.
Seis dias após o último depósito de R$ 100 milhões, a corretora de
Fabrizio nos Estados Unidos pagou US$ 7 milhões por uma nota estruturada
do Lehman Brothers – banco que, três meses depois, quebrou e quase
levou a economia mundial junto. Era um produto arriscado de origem que,
no mercado, já se desconfiava duvidosa (o Lehman). No mesmo dia, segundo
a investigação da SEC, a corretora de Fabrizio deu início a mais uma
fraude, que obrigou o Postalis a pagar, pela nota estruturada, mais do
que ela valia. Os documentos da SEC demonstram que a diferença, ou ao
menos parte substancial dela, foi desviada nas semanas seguintes para a
conta da Spectra, a empresa secreta de Russo, presidente do Postalis.
Em dezembro de 2011, quando as investigações da SEC se aproximavam do
fim, Fabrizio trocou cerca de US$ 130 milhões do Brasil Sovereign por
produtos financeiros arriscados, como as tais notas estruturadas. Fez
isso sem consultar o Mellon e o Postalis, como mandava a lei. O Brasil
Sovereign, que deveria aplicar 80% dos recursos em títulos da dívida,
tinha 71% do dinheiro aplicado em papéis sem garantias de pagamento.
Dificilmente o Postalis recuperará o dinheiro. Por isso, tenta um acordo
com o Mellon, que poderia, diz o Postalis, ter evitado os prejuízos. O
Postalis quer que o Mellon pague, ao menos, R$ 400 milhões. Em fevereiro
deste ano, Fabrizio fez um acordo com a Justiça da Flórida e com a SEC.
Aceitou pagar US$ 4,5 milhões para não ir a julgamento, desde que não
desminta publicamente os achados da investigação. Os investigadores
americanos querem que ele colabore no rastro do dinheiro desviado.
O ministro Lobão afirma, por meio de nota, que conhece Russo há anos.
Russo diz o mesmo. Mas Lobão, ao contrário de Russo, acrescenta: “A
relação é de amizade”. Lobão, contudo, não admite sequer ter indicado
Russo ou os atuais diretores do Postalis. “As nomeações no Postalis são
feitas por um Conselho que atua vinculado a outro Ministério (o da Previdência)”,
diz. Sobre a relação com Fabrizio e a atuação dele nas campanhas do
PMDB em 2010, Lobão limita-se a dizer que “esteve com ele em eventos
sociais, mas não em 2010”. Márcio Lobão, ex-sócio de Russo, diz que se
mudou de Brasília para o Rio em 2000 e que, desde então, não mantém
contato com ele: “Nunca mais tive qualquer vínculo comercial, social ou
empresarial com o senhor Alexej”. O senador Edison Lobão Filho afirma
não manter qualquer tipo de relacionamento com o ex-presidente do
Postalis Alexej Predtechensky. “Não converso com esse indivíduo”, diz.
“Graças a Deus (não tenho relacionamento comercial com ele). Se
tivesse recebido algum valor dele, estaria pensando em me suicidar.”
Aparentemente, a origem da raiva é a antiga sociedade entre Alexej e
Márcio, irmão do senador, na concessionária BMW em Brasília. “Meu irmão,
muito jovem, perdeu o negócio da vida dele por causa da gestão desse
indivíduo. A BMW tomou a concessionária dele.”
Russo nega, por meio de nota, que tenha participado dos desvios descobertos pela SEC. “A offshore (Spectra Trust)
foi aberta com a intenção de adquirir um imóvel nos Estados Unidos. A
aquisição do imóvel não ocorreu, a empresa nunca realizou nenhuma
movimentação”, diz ele. Russo disse que “nunca determinou” a abertura da
conta bancária em nome da Spectra Trust, que recebia dinheiro após as
operações ilegais. “A conta foi aberta de forma fraudulenta. Não tinha
conhecimento nem da abertura da conta nem de movimentação nela.” Diz que
nomeou advogados, no Brasil e nos Estados Unidos, para apurar o fato e
afirma desconhecer “a origem e destino desses recursos e aguardar as
apurações das autoridades competentes nos Estados Unidos para tomar
medidas judiciais cabíveis”. Russo enviou a ÉPOCA um laudo produzido nos
EUA por uma perícia independente. Segundo a interpretação de Russo,
esse laudo comprova, por meio da análise das assinaturas usadas na
abertura da conta, que a letra usada não era dele. O laudo aponta
inconsistências, mas não afirma que houve fraude. Diz ainda ser
“provável”que a assinatura seja mesmo de Russo. Russo não forneceu a
ÉPOCA os documentos analisados.
Tanto Russo quanto Adílson, então diretor financeiro do Postalis,
defendem a decisão de investir no Brasil Sovereign. “O investimento
atendia aos requisitos legais e ao que determinava a legislação e a
política de investimentos aprovada em conselho”, dizem ambos, em nota. O
Postalis, por meio de nota, afirma algo parecido: “A decisão pelo
investimento foi da Diretoria Financeira à época e seguiu os
procedimentos e normas do Instituto. As aplicações estavam em
conformidade com as regras e limites previstos nas Resoluções do
Conselho Monetário Nacional e a Política de Investimento do Postalis”.
Na nota, o Postalis afirma ainda que trabalha para resolver o mico:
“Assim que tomou conhecimento do assunto, a Diretoria Executiva ajuizou
protesto interruptivo de prescrição. Além disso, contratou escritório de
advocacia nos EUA para a adoção de medidas cabíveis em defesa dos
interesses do Instituto”.
O Mellon, que administrava o Brasil Sovereign em nome do Postalis,
prefere não dar explicações sobre o caso. “Apesar de não podermos
comentar assuntos específicos de clientes, ressaltamos que levamos a
sério nossas responsabilidade e estamos focados em fornecer aos nossos
clientes serviços de qualidade e em ganhar sua contínua confiança”, diz o
Mellon em nota. Pelo acordo que fez com a Justiça americana, a que
ÉPOCA teve acesso, Fabrizio não pode comentar, muito menos negar
publicamente, as fraudes investigadas pela SEC no Brasil Sovereign. “Não
vou falar”, diz, mesmo quando questionado sobre sua relação com Russo e
o PMDB. Brian Miller, advogado de Fabrizio nos EUA, não respondeu às
ligações de ÉPOCA.
O Postalis minimiza as autuações da Previc a seu atual presidente,
Conquista. “Autuação não é condenação. No caso do Postalis, o único auto
de infração imputado ao presidente foi julgado improcedente. No que se
refere à GEAP, não há decisão administrativa definitiva, sendo que um
dos autos também já foi divulgado improcedente”, diz o Postalis.
A ascensão de Miltinho
Enquanto Fabrizio caía em desgraça, o lobista Milton Lyra, ligado a Renan e conhecido como Miltinho, ascendia em Brasília. Criou relações com Russo e Adílson. Miltinho organizou um investimento que deu prejuízos ao Postalis. Em 2010, o grupo Galileo Educacional foi criado para tentar salvar a universidade Gama Filho da bancarrota. O Galileo emitiu R$ 100 milhões em debêntures, títulos em que a empresa paga juros no futuro a quem a financia. A garantia eram as mensalidades do curso de medicina, o mais respeitado. O Postalis investiu R$ 75 milhões no Galileo. Dois anos depois, Miltinho tornou-se diretor do Galileo. No ano passado, o Ministério da Educação descredenciou a Gama Filho, e milhares de estudantes ficaram sem aulas, sem diploma e, claro, não pagaram mensalidades. O grupo Galileo está quebrado, com uma dívida de cerca de R$ 900 milhões.
Enquanto Fabrizio caía em desgraça, o lobista Milton Lyra, ligado a Renan e conhecido como Miltinho, ascendia em Brasília. Criou relações com Russo e Adílson. Miltinho organizou um investimento que deu prejuízos ao Postalis. Em 2010, o grupo Galileo Educacional foi criado para tentar salvar a universidade Gama Filho da bancarrota. O Galileo emitiu R$ 100 milhões em debêntures, títulos em que a empresa paga juros no futuro a quem a financia. A garantia eram as mensalidades do curso de medicina, o mais respeitado. O Postalis investiu R$ 75 milhões no Galileo. Dois anos depois, Miltinho tornou-se diretor do Galileo. No ano passado, o Ministério da Educação descredenciou a Gama Filho, e milhares de estudantes ficaram sem aulas, sem diploma e, claro, não pagaram mensalidades. O grupo Galileo está quebrado, com uma dívida de cerca de R$ 900 milhões.
Também em 2010, Russo e Adílson fizeram outra operação questionável
para o Postalis. A dupla vendeu a sede do Postalis, em Brasília, a
cunhados de Miltinho, por R$ 8,2 milhões. O negócio foi feito em nome de
uma empresa criada seis meses antes. Phelipe Matias, um dos cunhados,
afirma ter faturado cerca de R$ 1,2 milhão em aluguéis antes de revender
o prédio. Agora, o Postalis paga R$ 139 mil de aluguel para ficar no
mesmo lugar. A Previc autuou o Postalis pela operação. Por
irregularidades, a Previ aplicou a Russo e Adílson multas de R$ 40 mil e
os inabilitou por dois anos.
Fonte: Epóca
BNC Brasília